Bráulio Tavares, escritor campinense radicado na cidade
maravilhosa, estudou cinema na Escola Superior de Cinema da Universidade
Católica de Minas Gerais, tem uma grande paixão pela literatura fantástica e
ficção cientifica e lançou os livros A Máquina Voadora,
O Anjo Exterminador, Mundo Fantasmo e A Espinha Dorsal da Memória.
O Chaplin conversou com o autor sobre sua obra e sobre o atual momento vivido e
os desafios enfrentados pela literatura contemporânea.
O CHAPLIN: Em 1970 você
saiu de Campina Grande na busca de uma faculdade de cinema, sua opção foi ir
para Minas Gerais e acho que foi exatamente lá que despertou o seu interesse
pela cultura nordestina. Isso teve uma influência direta do Movimento Armorial
desenvolvido por Ariano Suassuna, que vinha em uma crescente na década de 70?
Sim. Quando cheguei a Belo Horizonte, com 19
anos, meus colegas me enchiam de perguntas sobre cultura popular nordestina,
das quais eu só sabia responder uma pequena parte. As matérias de jornal sobre
o Movimento Armorial, principalmente a poesia de Ariano e de Marcus Accioly, me
reconduziram ao cordel e aos violeiros que eu escutava na infância.
O CHAPLIN: Em um dos meus textos
n’O Chaplin eu escrevi um pouco sobre a efervescência cultural
que por muitos anos marcaram as atividades culturais de Campina Grande e
que revelaram vários artistas no cenário nacional a ponto de a cidade ser
conhecida como a Capital Cultural da Paraíba. Você hoje, mesmo “distante”,
consegue enxergar a cidade ainda como um polo cultural paraibano?
A atividade cultural é um pouco como a atividade
atmosférica. Tem épocas mais secas, épocas mais chuvosas. Campina cresceu muito
no campo cultural, mas cresceu de maneira desproporcional (como a maioria das
cidades) no setor entretenimento. Quem ameaça a cultura hoje não é a censura, é
o entretenimento. Existe um movimento de cinema, de música, de literatura, de
teatro, etc., mas quem participa desses movimentos tem dificuldade em conseguir
apoio financeiro dos editais ou conseguir cobertura da imprensa, porque tanto
os editais quanto a imprensa lucram mais com o“entretenimento” do que com a
“cultura”.
O CHAPLIN: Você,
juntamente com Rômulo e Romero Azevedo, desenvolveu um cineclube que
tinha como propósito buscar exibir filmes que estavam fora do eixo de
exibições cinematográficas em Campina Grande. Como vocês conseguiam as cópias
desses filmes e como vocês conseguiam driblar a ditadura, tendo em vista que
vários filmes eram considerados subversivos?
Nunca passamos filmes considerados subversivos.
Só exibíamos filmes liberados pela censura, e por mais rigorosa que fosse, ela
não conseguiria proibir tudo. Os filmes eram alugados em cópias 16mm nas
distribuidoras de Recife, de modo que um de nós tinha que ir para lá de ônibus,
ir na distribuidora, pagar o aluguel do filme, voltar para Campina. No dia
seguinte, outra pessoa fazia o mesmo trajeto, sempre de ônibus, para devolver
as latas do filme.
O CHAPLIN: Você desenvolve várias
atividades artísticas, muitos lhe deram a acunha de um artista multimídia,
porém em várias entrevistas suas você se coloca apenas como um escritor. Mesmo
trabalhando em cima apenas da escrita você não acha que realmente você pode ser
colocado como multimídia tendo em vista que as linguagens escritas que você
trabalha são diferentes? A escrita literária e diferente da teatral e assim por
diante.
Não ligo muito para esse critério de
“multimídia”, nunca dei atenção a isto. Escrevo o que me dá vontade de
escrever. Podem me chamar como quiserem. Quando escrevo para teatro sou
teatrólogo, quando faço letra de música sou letrista, quando escrevo para
cinema sou roteirista… Chamem como quiserem. Toda escrita é diferente, mas
basta dizer que o cara é escritor. Fica muito ridículo, num auditório, alguém
dizer: “E agora vamos chamar o romancista, contista, cronista, sonetista,
cordelista e poeta-modernista Bráulio Tavares…” Vira piada, não é mesmo? Tem
gente tão vaidosa que se exercer quinze atividades vai exigir ser chamado por
todas quinze. Não é o meu caso.
O CHAPLIN: Percebo em você uma
grande paixão pela literatura fantástica e em muitas entrevistas suas ouvi você
falar que admira muito o trabalho de H. G. Wells e também de Júlio Verne. Como
eles influenciaram na sua escrita e como foi o seu primeiro contato com esses
escritores?
Li os dois quando tinha 12 ou 13 anos, ainda são
dois dos meus autores favoritos. A obra deles estimula tanto a imaginação
quanto o raciocínio rigoroso. E me deram desde cedo a noção de que o mundo é
muito maior e mais complexo do que a gente imagina.
O CHAPLIN: Você também desenvolve um
trabalho voltado para a tradução de livros de H. G. Wells. Quais são as grandes
dificuldades de desenvolver esse tipo de atividade, pois quando ocorre uma
tradução, acho que você tem que saber mesclar “o espirito do tempo em que ele
foi escrito” com o “espirito dos nossos tempos”, ou não?
Tento manter uma linguagem simples, acessível ao
leitor de hoje, mas não posso fingir que o livro foi escrito em 2014. O leitor tem
que ter a sensação de que está lendo um livro que é produto da Inglaterra dos
anos 1890, daquela cultura, daquela linguagem. Isso se faz de mil maneiras;
exemplo, através da escolha de sinônimos ligeiramente mais “elevados” para
palavras comuns, uso de uma sintaxe mais trabalhada, etc. Uma linguagem
acessível, mas menos coloquial. Agora estou traduzindo os romances policiais de
Raymond Chandler, então preciso lembrar ao leitor que aquilo é a Califórnia dos
anos 1940. Tem gíria (em Wells quase não tem), tem linguagem de bandido e de
policial, tem uma série de coisas cujo tom tem de aparecer em português.
O CHAPLIN: Na literatura brasileira,
quais são os nomes que mais lhe influenciaram e quais livros você recomendaria
para os leitores d’O Chaplin?
Tem os clássicos: Machado de Assis, Guimarães
Rosa, Érico Verissimo, Rubem Fonseca, Graciliano Ramos, Ariano Suassuna… Grande
parte das minhas influências está entre os autores que li ainda jovem, nas
décadas de 1960-70: Dalton Trevisan, Sérgio Sant’Anna, Luiz Vilela, Nélida
Piñon, José Agrippino de Paula, João Antonio… Alguns estão meio esquecidos, mas
precisam ser redescobertos. Não conheço muito a ficção brasileira
contemporânea, mas li bons livros de Ronaldo Correia de Brito, Ricardo Lísias.
O CHAPLIN: Hoje
percebo nos leitores brasileiros uma maior escolha em livros estrangeiros a
exemplo de Dan Brown e J.K Rowling, ou uma leitura de Paulo Coelho, já não há
uma procura por outros autores tanto nacionais como estrangeiros que marcaram a
história da literatura mundial. Você julga que a centralização em nomes desses
autores pode prejudicar um pouco o desenvolvimento do leitor? Ou todas as
literaturas são válidas?
Cada um lê o que quer. A publicidade tem hoje um
poder, mesmo na literatura, que não tinha naquela época. O leitor é
praticamente coagido a ler certas coisas para “ficar por dentro” daquilo que
“todo mundo está comentando”. Não ligo se o autor da moda é estrangeiro ou
nacional, o problema é que as pessoas estão perdendo a iniciativa de
descobrirem autores por seus próprios esforços.
O CHAPLIN: Quais são as principais
dificuldades de publicar um livro? Hoje existem editores que
realmente investem em novos nomes?
Toda editora investe em novos nomes. Todo editor
quer ser o descobridor de um novo grande romancista ou contista. Mas um editor
só publica três tipos de livro: 1) o que ele acha que vai dar dinheiro; 2) o
que ele acha que vai dar prestígio à editora; 3) o que ele publica para fazer
um favor a um amigo, parente, autoridade, etc. Todo livro de autor novo é um
tiro no escuro. Alguns dos meus livros mais conhecidos (“A Máquina Voadora”, “A
Espinha Dorsal da Memória”, “O Anjo Exterminador”, “Mundo Fantasmo”, etc.)
nunca esgotaram a primeira edição (que geralmente é de 2 mil, 2.500 cópias).
O CHAPLIN: Ao ler A
Máquina Voadora, fiquei maravilhado com aquela história de um
grupo de pessoas que buscavam construir uma máquina capaz de voar, pessoas que
pensavam a frente de seu tempo. Pode-se dizer que, no livro, você faz uma
crítica a essa nova mentalidade da população que teme a busca por novos rumos
sem medo de arriscar?
Eu quis contar uma história sobre pessoas que não
têm medo de arriscar a vida para demonstrar uma teoria ou para realizar um
sonho. Os primeiros astronautas eram assim, Santos Dumont e os Irmãos Wright
eram assim, os primeiros caras que desceram ao fundo do mar eram assim… Não
estou propriamente criticando ninguém, estou somente celebrando a coragem dos
que fazem o que meu personagem fez.
O CHAPLIN: Um outro livro seu que me
chamou bastante atenção foi O Anjo Exterminador,
que busca fazer uma análise aprofundada do filme O Anjo
Exterminador de Luis Buñuel. Tendo em vista que o filme é
recheado de simbolismo que nos são apresentados desde do início até o final do
filme, quais foram as suas principais dificuldades para desenvolver essa
análise e o que essa obra representa na sua biografia, já que você é também um
grande fã de cinema?
“O Anjo Exterminador” é um dos meus filmes
preferidos, e ele é bom de analisar em livro porque me permitiu falar de várias
coisas que me interessam: surrealismo, teoria freudiana, religião e
não-religião, realismo mágico, fantástico… A carreira de Buñuel passou pela
Paris dos anos 1920, os Estados Unidos dos anos 1930-40, o México dos anos
1950-60, até os últimos filmes dele, quando voltou a filmar na França. Envolve
muitas questões políticas, ideológicas e artísticas. A dificuldade maior
foi que quando fiz o livro ainda não tinha DVD-Player, de modo que usei fitas
VHS, indo e voltando, para rever uma cena dezenas de vezes… Mas de qualquer
maneira é divertido.
O CHAPLIN: Para
finalizar, quais as principais dificuldades de atrair o leitor, hoje?
O leitor hoje é disputado por todo mundo. A
mercadoria mais cara do mundo é o tempo. Se eu publico um livro que um leitor
precisará de 15 ou 20 horas para ler, tenho que disputar à tapa essas horas
dele: com a TV, a Internet, a música, os shows, as revistas… A produção
cultural incha cada vez mais, mas o dia continua tendo somente 24 horas.
O artista plástico paraibano Jose Pagano e a presença magnífica do artista Bráulio Tavares no VI FEST ARUANDA - do audiovisual brasileiro. Ano 2010. Hotel Tambaú. João Pessoa - PB. Brasil.
FONTE. SAIBA
MAIS: By Cicero Alves on fev 14, 2014 http://www.ochaplin.com/2014/02/braulio-tavares-quem-ameaca-a-cultura-nao-e-a-censura-e-o-entretenimento.html
Nenhum comentário:
Postar um comentário